A imortalidade do Espírito e a lei de destruição
Lendo “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, sobre a lei de destruição, algumas perguntas e respostas conduziram a reflexões sobre a imortalidade do Espírito diante da lei de destruição.
Uma questão veio
à tona: se o Espírito é imortal, não tem fim, como a lei de destruição atua no
seu processo de evolução moral e espiritual em pluralidade de existências?
Pelo
dicionário, a palavra destruição pode ser ação ou efeito de tirar a vida,
matar, eliminar, exterminar, desaparecer, arruinar, aniquilar, dentre outros.
Nesse
contexto, o primeiro aspecto a considerar seria compreender o significado de
“destruição” dessa lei para a Doutrina Espírita.
Em “O Livro
dos Espíritos”, Kardec, na questão 728, pergunta: “É lei da Natureza a destruição?” A resposta é: “Preciso é que
tudo se destrua para renascer e se regenerar. Porque, o que chamais destruição
não passa de uma transformação, que tem por fim a renovação e melhoria dos
seres vivos.”
Pela
resposta, o que chamamos de “destruição” é transformação, que tem por
finalidade renascer, regenerar, transformar e melhorar os seres vivos.
Com mesmo entendimento, Juvanir Borges de Souza
escreveu: “A denominada lei de destruição melhor se conceituaria, no dizer
dos Instrutores Espirituais, como lei de transformação. O que ocorre, na
realidade, é a transformação e não a destruição, tanto no que concerne à
matéria, quanto no que se refere ao Espírito.” (SOUZA, Juvanir Borges de.
Tempo de transição. 3ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Cap. 35 - A lei de
destruição, p. 285.)
Depois da questão 728, Kardec pergunta: “O
instinto de destruição teria sido dado aos seres vivos por desígnios
providenciais?” A parte final da resposta é: “Esse invólucro é simples
acessório e não a parte essencial do ser pensante. A parte essencial é o
princípio inteligente, que não se pode destruir e se elabora nas metamorfoses
diversas por que passa.”
Desse esclarecimento, ressaltam-se: não se pode destruir o Espírito, parte essencial do princípio inteligente, porque imortal; e o Espírito passa por diversas metamorfoses. Por conseguinte, conclui-se que a “lei de destruição” atua no ser integral (corpo físico, perispírito e Espírito), modificando-o e desenvolvendo-o.
Rodolfo
Calligaris afirma: “A (...) lei de destruição é, por assim dizer, o
complemento do processo evolutivo, visto ser preciso morrer para renascer e
passar por milhares de metamorfoses, animando formas corporais gradativamente
mais aperfeiçoadas, e é desse modo que, paralelamente, os seres vão passando
por estados de consciência cada vez mais lúcidos, até atingir, na espécie
humana, o reinado da Razão.” (CALLIGARIS, Rodolfo. As leis morais. 11ª ed.
Rio de Janeiro: FEB, 2004. Item: A lei de destruição, p. 90.)
Em idêntica compreensão, o Espírito
Miramez, no livro “Filosofia espírita”, na psicografia de João Nunes Maia,
Volume XV, Capítulo 14 – Destruição necessária –, comenta a questão 728 de “O
Livro dos Espíritos”:
“O que chamamos de destruição são processos que
Deus usa sob a forma de progresso para tudo
que existe. Nada no mundo se faz sem a permissão de Deus, e
Ele somente permite o que é necessário para o progresso dos
seres viventes. Se assim não fora, sendo o Senhor a Inteligência Suprema, não iria Ele permitir que as coisas e os seres fossem destruídos.
(...)
O invólucro da alma é como que uma veste, que pode e deve ser usado para outras necessidades,
além de ajudar a força divina que o comanda. As próprias guerras, Deus as permite entre os homens ignorantes, pois
têm muitas finalidades entre as criaturas, mas, o Espírito continua vivo para a eternidade de Deus.
Certas criaturas se assombram com os processos
de destruição, as pestes, a fome, e as guerras,
mas se esquecem que morrem muito mais seres humanos pelos vícios, que muitas vezes são mantidos sorrindo. Esse é o
suicídio lento, porém, é usado para, igualmente, educar as almas e despertá-las para a vida maior. (...)
Morrer é nascer para outra dimensão que é
melhor do que a anterior, principalmente quando se morre para uma finalidade maior.”
Miramez
esclarece que a “destruição” é processo que Deus usa para o progresso de tudo
que existe e dos seres vivos. Nesse processo, o Espírito continua vivo pela
eternidade, pois a morte do corpo é para o Espírito nascer em outra dimensão de
finalidade maior.
Na questão
729, Kardec pergunta: “Se a regeneração dos seres faz necessária a
destruição, por que os cerca a Natureza de meios de preservação e conservação?”
A resposta é: “A fim de que a destruição não se dê antes de tempo. Toda
destruição antecipada obsta ao desenvolvimento do princípio inteligente. Por
isso foi que Deus fez que cada ser experimentasse a necessidade de viver e de
se reproduzir.”
A esse
respeito, Miramez, no livro “Filosofia espírita”, na psicografia de João Nunes
Maia, Volume XV, Capítulo 15 – Preservação e conservação –, comenta a questão
729 de “O Livro dos Espíritos”:
“Destruição,
palavra que imprime
na mente certo terror, é apenas o nome de mutações necessárias para que a alma, ou o
princípio inteligente, tenha capacidade de entrar em outra dimensão
de vida. Não há perda de nada; as mudanças
são necessárias para melhor andamento da vida, dentro da vida de Deus.
A regeneração das almas é ponto de início para novos entendimentos, e em muitos
casos, para essa devida regeneração é preciso uma dinamite em forma de
dor, de mudanças de vestes, para o
despertar do Espírito. Podemos notar no presente, o quanto o ser humano mudou em relação à morte do corpo físico;
há algum tempo atrás, fazia-se um escândalo quando
alguém morria. A mudança foi muito grande; hoje, em quase todo mundo, só se veem as lágrimas
e, por vezes, preces em favor do que partiu para o mundo espiritual.
Destruição é sinônimo de renovação, no entanto,
não queiramos destruir para apressar a renovação.
Esse ato, não cabe ao dono do corpo fazê-lo, mas somente a Deus, Criador e Senhor de todas as coisas. Em todos os
reinos existe a destruição, imprimindo na vida uma renovação mais elevada. Cabe observar, igualmente, que somente a
autodestruição não leva ao
esclarecimento, porque a renovação pela morte pertence a Deus, que deu a vida
física e pode tirá-la quando lhe
aprouver. É nesse sentido que o Senhor nos deu os meios de preservar a vida e métodos
de conservação da saúde, para que as almas não possam sair do corpo antes do tempo. (...)
Estamos na época de destruição dos velhos hábitos,
para criar novos métodos de vida. Repetimos quantas vezes forem
necessárias, que respiramos o que pensamos, comemos as nossas próprias ideias,
e mesmo vestimos os nossos atos da vida. Todas as mudanças internas modificam a vida
externa. Essa é que é a boa Destruição, que poderemos fazer em favor da humanidade.
As grandes catástrofes, como as guerras
fratricidas, ou a natureza dando sinais de revolta contra os homens, não é culpa somente de alguns seres humanos ou
nações. Todos estão ligados ao carma
coletivo, como devedores. Somente os que estão fora disso são aqueles que têm pensamentos puros.”
Miramez expressa que “destruição” induz mutações necessárias,
sinônimo de renovação, para que a alma tenha capacidade de entrar em outra dimensão
de vida. A “destruição” está fora
do controle do ser humano, mas sob as ações da providência divina.
Portanto, não cabe ao ser humano a
autodestruição, porquanto “a renovação pela morte pertence a Deus, que
deu a vida física e pode tirá-la
quando lhe aprouver”.
Miramez comenta, ainda, acerca da destruição dos
velhos hábitos viciosos, porquanto as mudanças internas modificam a vida. Essa
é a boa destruição.
Na questão
731, Kardec pergunta: “Por que, ao lado dos meios de conservação,
colocou a Natureza os agentes de destruição?” A resposta é: “É o remédio
ao lado do mal. Já dissemos: para manter o equilíbrio e servir de contrapeso.”
Diante dos
agentes de destruição, Deus também providenciou meios de conservação para se
dar cumprimento e continuidade ao processo de evolução moral e espiritual.
Miramez, no
livro “Filosofia espírita”, na psicografia de João Nunes Maia, Volume XV,
Capítulo 17 – Agentes de destruição –, comenta a questão 731 de “O Livro dos
Espíritos”:
“A destruição é necessária em todos os rumos da
criação de Deus, pois ela é o cinetismo que flui do próprio amor, e
mais tarde isso poderá ser compreendido com mais profundidade. (...)
Ao lado
da destruição, Deus colocou o regulador cósmico, o instinto de conservação para
manter o equilíbrio.
Os agentes naturais de todas as transformações
fazem com que tudo se eleve. Desde a matéria primitiva até os Espíritos, mesmo
os mais iluminados, tudo muda, tudo se transforma para melhor em todas as direções da vida. Pela análise que o
raciocínio nos faculta fazer, ela nos
dá o benfeitor entendimento das mudanças, mesmo das próprias guerras e das
convulsões da natureza. (...)
Todos nós somos testemunhas dessas coisas todos
os dias, do valor das mudanças dentro e fora
de nós. Imaginemos se tivéssemos uma existência de muitos séculos na Terra.
Isso é que seria um verdadeiro
inferno. A reencarnação é uma bênção de Deus e a própria matéria ocupa- se em se transformar, porque ela se eleva no calor da alma.
Se vem a dor para impulsionar o Espírito para a
frente, despertando-o, vem o remédio em várias outras modalidades de tratamento para regular essa dor, de maneira a nos dar esperança
e não sermos impedidos de todo no trabalho. Por enquanto, a humanidade precisa da destruição mais acentuada para crescer,
e muitas vezes isso é um aguilhão que
espanta aos que não estão preparados.
Em muitos casos, a natureza usa os próprios homens como instrumentos. Cabe a nós todos estudar e meditar, para melhor
compreender a bondade de Deus e a Sua
sabedoria na direção do amor, aquele amor que se desprende de Seu coração magnânimo
e santo.
O que chamamos mal e bem são forças em
diferentes rumos, todavia, nascidas com o mesmo objetivo. Não devemos jamais procurar o mal para nos
aperfeiçoarmos, porque não sabemos como
fazer. O que chamamos de mal é o agente educador que se transforma em peças de
luz, como portador da verdadeira paz. O Espírito,
como bem sabemos,
foi criado simples
e ignorante, mas, com todos os
valores a serem despertados no imo d'alma, e esse trabalho depende
muito de nós, na escala
a que pertencemos. (...)
A destruição natural não significa um mal e,
sim, urna bênção do Criador, para a elevação das criaturas e das coisas.”
Na questão
732, Kardec pergunta: “Será
idêntica, em todos os mundos, a necessidade de destruição?” A resposta é: “Guarda
proporções com o estado mais ou menos material dos mundos. Cessa, quando o
físico e o moral se acham mais depurados. Muito diversas são as condições de
existência nos mundos mais adiantados do que o vosso.”
Percebe-se, aqui, uma relação de cessar a “destruição” conforme o estado
material dos mundos, quando o físico e o moral se acham em níveis elevados de
depuração.
Miramez, no
livro “Filosofia espírita”, na psicografia de João Nunes Maia, Volume XV,
Capítulo 18 – Nos mundos superiores –, comenta a questão 732 de “O Livro dos
Espíritos”:
“As leis espirituais são idênticas em todos os
mundos, no entanto, as suas expressões são modificáveis em todos eles, de acordo com a escala a que
pertencem. Essa é a lei de justiça.
Nos mundos inferiores, onde as provações comandam os destinos
dos homens, como na
Terra, e as expiações agridem
as almas para despertá-las, as leis acodem a essas necessidades,
e a própria natureza cria destruições violentas, fazendo os Espíritos
entenderem que devem com urgência, modificar suas
intenções e avançar para a perfeição, que deve
começar em um simples perdão, no amor que seja mais material e na
caridade, ainda que esteja ligada ao interesse, porque é assim que começa o
despertar das almas.
Nos mundos superiores, os seus habitantes
desconhecem a violência. Eles já se elevaram, de sorte a não precisarem mais das destruições que se operam na Terra. Cada mundo e humanidade recebe o que merece,
na pauta das necessidades espirituais. (...)
Enquanto o orgulho e o egoísmo dominarem a
mente e o coração dos Espíritos encarnados, eles viverão em duros sofrimentos,
porque buscam a paz e o conforto em lugares errados.”
Na questão
733, Kardec pergunta: “Entre os
homens da Terra existirá sempre a necessidade da destruição?” A resposta é:
“Essa necessidade se enfraquece no homem, à medida que o Espírito sobrepuja
a matéria. Assim é que, como podeis observar, o horror à destruição cresce com
o desenvolvimento intelectual e moral.”
Miramez, no
livro “Filosofia espírita”, na psicografia de João Nunes Maia, Volume XV,
Capítulo 19 – Necessidade de destruição –, comenta a questão 733 de “O Livro
dos Espíritos”:
“Entre os homens da Terra há, por enquanto,
necessidade de destruição violenta, porque eles ainda continuam com a dureza dos corações e, nessa situação,
somente a destruição violenta pode
acordá-los. Essa necessidade se enfraquece à medida que o Espírito desperta
para o amor. É nessa direção
espiritual que o Mestre nos comanda a todos, nos educando e instruindo na suavidade do Seu amor.
Com o crescimento espiritual do homem, ele vai
deixando de servir de instrumento para a violência, e as guerras
fratricidas irão desaparecendo por não coadunar
mais com os sentimentos
espirituais das criaturas. A necessidade de matar desaparecerá à medida que o amor passar a comandar os pensamentos
humanos. Como ele é uma lei divina, abre a visão das criaturas, ensinando-as a sentir Deus na
consciência e Cristo no coração. (...)
Estamos nos aproximando do terceiro milênio,
fechamento de ciclo evolutivo da humanidade,
onde deveremos presenciar grandes acontecimentos e duras violências, onde a natureza mostrará sua revolta, pelo desrespeito a ela perpetrado pelos povos. Mas, como Deus é bondade, essa violência transformar-se-á
em vida, de maneira a mostrar para todos os povos a Sua luz imortal, a clarear as consciências, de modo a
merecerem a Terra da Promissão visualizada
por Moisés e sentida pela sua capacidade mediúnica. É o paraíso que deveremos encontrar, primeiramente dentro dos corações que compreenderam o valor da verdadeira fraternidade.
A limpeza cósmica das vibrações inferiores será
feita pelos engenheiros siderais no clima da
confusão; novas Terras serão encontradas e novos céus serão vistos, onde
a justiça e o amor passarão a ser a
lei que comandará todos os corações, pela força do bem que domina as almas. Todos os sofrimentos serão
esquecidos, e a humanidade deverá cantar o mesmo hino das esferas superiores, quando nasceu o Divino Salvador, no
mesmo ritmo em que vive o universo.”
Pelo exposto, a “lei de destruição” poderia ser
chamada de “lei de transformação”, “lei de renascimento”, “lei de regeneração”,
“lei de renovação” ou “lei de mutações”; e o Espírito imortal necessita dela
para impulsionar a sua evolução moral e espiritual pela eternidade.
Essa lei será necessária para o Espírito
imortal conforme o estado material dos mundos, cessando quando o físico e o
moral se acharem totalmente depurados.
Bibliografia:
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 1ª Edição.
Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
MIRAMEZ (Espírito); na psicografia de João Nunes
Maia. Filosofia espírita: comentários às perguntas de “O Livro dos
Espíritos”. Volume II. 1ª Edição. Belo Horizonte/MG. Editora Espírita
Cristã Fonte Viva, 1988.
MIRAMEZ (Espírito); na psicografia de João Nunes
Maia. Filosofia espírita: comentários às perguntas de “O Livro dos
Espíritos”. Volume XV. 1ª Edição. Belo Horizonte/MG. Editora Espírita
Cristã Fonte Viva, 1990.
ROCHA, Cecília (Organizadora). Estudo
sistematizado da doutrina espírita: programa fundamental, Tomo II. 1ª
Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2014.

Comentários
Postar um comentário