A reencarnação e as vicissitudes da vida material
Certa vez, em
um curso de estudo espírita, perguntaram-me: por que a necessidade de retornar
à vida corporal para evoluir; não bastaria progredir como Espírito? Quais os
motivos de voltar à vida material?
Alguns esclarecimentos
estão no objetivo da reencarnação e na razão de se evoluir em novo corpo físico
para viver as experiências, as vicissitudes e as lições que a influência da vida
material proporciona ao Espírito imortal.
Reencarnação e vida material
Em “O Livro
dos Espíritos”, de Allan Kardec, a resposta à questão 115 é: “Deus criou todos os Espíritos simples e
ignorantes, isto é, sem saber. A cada um deu determinada missão, com o fim de esclarecê-los
e de os fazer chegar progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da
verdade, para aproximá-los de si. Nesta perfeição é que eles encontram a pura e
eterna felicidade. Passando pelas provas que Deus lhes impõe é que os Espíritos
adquirem aquele conhecimento. Uns aceitam submissos essas provas e chegam mais
depressa à meta que lhes foi assinada. Outros, só a suportam murmurando e, pela
falta em que desse modo incorrem, permanecem afastados da perfeição e da
prometida felicidade.”
Na questão 133,
se têm necessidade de encarnação os Espíritos que, desde o princípio, seguiram
o caminho do bem; a resposta é: “Todos
são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações da vida
corporal. Deus, que é justo, não podia fazer felizes a uns, sem fadigas e
trabalhos, conseguintemente sem mérito.”
Pelas respostas
anteriores, Deus cria todos os Espíritos simples e ignorantes, com determinada
missão, para chegar progressivamente à perfeição, iniciando seus processos
evolutivos em pluralidade de existências, passando pelas provas que Deus impõe para
se instruírem nas lutas e tribulações da vida corporal, porquanto a conquista
da verdadeira felicidade não pode ocorrer sem esforço e trabalho decorrente do próprio
merecimento.
Na Introdução
de “O Livro dos Espíritos”, Kardec esclarece: “O Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria; o homem que
vence esta influência, pela elevação e depuração de sua alma, se aproxima dos
bons Espíritos, em cuja companhia um dia estará. Aquele que se deixa dominar
pelas más paixões, e põe todas as suas alegrias na satisfação dos apetites
grosseiros, se aproxima dos Espíritos impuros, dando preponderância à sua
natureza animal.”
Na questão
166, sobre “Como pode a alma, que não
alcançou a perfeição durante a vida corpórea, acabar de depurar-se?”; a
resposta é: “Sofrendo a prova de uma nova existência.”
Em seguida,
Kardec pergunta: “Como realiza essa nova
existência? Será pela sua transformação como Espírito?” A resposta é: “Depurando-se, a alma indubitavelmente
experimenta uma transformação, mas para isso necessária lhe é a prova da vida
corporal.”
A respeito de
prova da vida corporal, na questão 196, Kardec faz a seguinte pergunta: “Não podendo os Espíritos aperfeiçoar-se, a
não ser por meio das tribulações da existência corpórea, segue-se que a vida
material seja uma espécie de crisol ou de depurador, por onde têm que passar
todos os seres do mundo espírita para alcançarem a perfeição?”
A resposta é:
“Sim, é exatamente isso. Eles se melhoram
nessas provas, evitando o mal e praticando o bem; porém, somente ao cabo de
mais ou menos longo tempo, conforme os esforços que empreguem; somente após
muitas encarnações ou depurações sucessivas, atingem a finalidade para que
tendem.”
Logo, percebe-se
que o Espírito encarnado está sob a influência da matéria, porquanto esta
influência é necessária para a sua depuração e elevação, fazendo-o se aproximar
dos bons Espíritos. Para tanto, tem que dominar as paixões materiais próprias
dos Espíritos impuros, que estão mais próximos da natureza animal.
Enquanto não
se depurar completamente, sofrerá as provas de novas existências para
experimentar as transformações necessárias.
A vida
corpórea proporciona ao Espírito, mediante provas, oportunidades de depuração,
aperfeiçoamento e transformação em nova existência, em que as tribulações
funcionam como uma espécie de cadinho, lugar ou circunstância apropriada para aprender
e adquirir os atributos morais essenciais para o seu progresso. Nessas experiências,
o Espírito aprende a diferenciar o bem do mal pelo uso consciente do
livre-arbítrio para escolher o melhor caminho rumo à perfeição.
Na questão
113, Kardec comenta a respeito dos Espíritos da primeira ordem, os Espíritos
puros, em que eles: “Gozam de inalterável felicidade, porque não se acham submetidos
às necessidades, nem às vicissitudes da vida material.”
Na questão
132, Kardec pergunta: “Qual o objetivo da
encarnação dos Espíritos?”.
A resposta é:
“Deus lhes impõe a encarnação com o fim
de fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas,
para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da
existência corporal: nisso é que está a expiação. Visa ainda outro fim a
encarnação: o de pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca
na obra da criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um
instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir,
daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra
geral, ele próprio se adianta.”
Kardec
comenta em seguida: “A ação dos seres
corpóreos é necessária à marcha do Universo. Deus, porém, na sua sabedoria,
quis que nessa mesma ação eles encontrassem um meio de progredir e de se
aproximar dele. Deste modo, por uma admirável lei da Providência, tudo se
encadeia, tudo é solidário na Natureza.”
A
reencarnação é um determinismo divino para que o Espírito chegue à perfeição,
podendo ser expiação ou missão. Para tanto, os Espíritos têm de sofrer todas as
vicissitudes da existência corporal, sendo que a ação dos seres corpóreos é
necessária para a marcha do Universo como instrumento na obra geral da criação
em harmonia com a matéria essencial do mundo em que vive.
As vicissitudes da vida material
As
vicissitudes da vida material relacionam-se com os acontecimentos do cotidiano,
que muitos atribuem às circunstâncias inesperadas do acaso que muda o rumo da
vida.
Para a
Doutrina Espírita, nada acontece por acaso e um fundamento governa a
existência: todo efeito tem causa geradora, ou seja, atrás de um acontecimento
há uma causa ou razão de ser.
Qualquer
coisa na Natureza não surgiu miraculosamente, ou por acaso, mas a partir de um
potencial preexistente.
A despeito do
determinismo divino direcionando a vida do reencarnado, o planejamento
reencarnatório não é rígido, pois ele procura executar as linhas mestras da
programação preparada para uma nova experiência no plano físico, não se
prendendo a detalhes ou aspectos secundários.
O ser humano,
pelo uso do livre-arbítrio em seu processo evolutivo a caminho da perfeição, é
construtor do seu destino e, de acordo com suas disposições íntimas, pode
modificá-lo para melhor ou complicá-lo.
Tudo se
reporta, no final, ao livre-arbítrio ou à liberdade de ação de cada um, que é
coerente com o seu nível de inteligência, consciência de si mesmo e do estágio evolutivo
moral em que se encontra.
Inseridos nos
desígnios de Deus, temos que cumprir esse determinismo divino na construção do
destino na busca da perfeição em pluralidade de existências e cooperar com a
regeneração da humanidade, tendo Jesus como modelo e guia para as condutas do
dia a dia.
Por conseguinte, a vida tem sentido
existencial, em que o Espírito imortal
necessita adquirir todas as virtudes e aptidões pela prática do bem, do amor e
da caridade, concorrendo para a execução dos propósitos divinos, no limite do
desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais, em que cada um tem papel
a desempenhar, sendo solidário para o progresso geral.
Para isso, o
Espírito depara-se com as vicissitudes da vida como provas para a sua evolução
moral e espiritual.
Em “O
Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, no Capítulo V, em
Bem-aventurados os aflitos, Causas atuais das aflições, no item 4, tem-se: “De duas espécies são as vicissitudes da
vida, ou, se o preferirem, promanam de duas fontes diferentes, que importa
distinguir. Umas têm sua causa na vida presente; outras, fora desta vida.
Remontando-se à origem dos males terrestres, reconhecer-se-á que muitos são
consequência natural do caráter e do proceder dos que os suportam.”
Por
conseguinte, as vicissitudes da vida podem ter causas na existência presente ou
na vida passada, sendo frutos do caráter e do proceder dos que os suportam.
Em “O Céu e o
Inferno”, de Allan Kardec, na Primeira Parte – Capítulo VII, Código Penal da
Vida Futura, em As penas futuras segundo o Espiritismo, no item 31), ensina: “Às penas que o Espírito experimenta na vida
espiritual ajuntam-se as da vida corpórea, que são consequentes às imperfeições
do homem, às suas paixões, ao mau uso das suas faculdades e à expiação de
presentes e passadas faltas. É na vida corpórea que o Espírito repara o mal de
anteriores existências, pondo em prática resoluções tomadas na vida espiritual.
Assim se explicam as misérias e vicissitudes da vida mundana que, à primeira
vista, parecem não ter razão de ser. Justa são elas, no entanto, como espólio
do passado - herança que serve à
nossa romagem para a perfectibilidade.”
Pode-se perceber
a relação existente entre os mundos material e espiritual, em que as
experiências da vida corporal, chamadas de vicissitudes, com suas origens em
existências passadas ou atuais, permitem ao Espírito vivenciar as influências
da matéria, frutos de suas imperfeições e paixões, tais como: provas do poder,
da riqueza, da pobreza, da avareza, do egoísmo, do orgulho, da soberba, da inveja,
do ciúme, do apego material, da ingratidão, dentre outras tantas.
No mesmo contexto,
em “O Livro dos Espíritos”, depois da resposta à questão 399, Kardec comenta:
“As vicissitudes da vida corpórea
constituem expiação das faltas do passado e, simultaneamente, provas com
relação ao futuro. Depuram-nos e elevam-nos, se as suportamos resignados e sem
murmurar.
A natureza dessas vicissitudes e das
provas que sofremos também nos podem esclarecer acerca do que fomos e do que
fizemos, do mesmo modo que neste mundo julgamos dos atos de um culpado pelo
castigo que lhe inflige a lei. Assim, o orgulhoso será castigado no seu
orgulho, mediante a humilhação de uma existência subalterna; o mau rico, o
avarento, pela miséria; o que foi cruel para os outros, pelas crueldades que
sofrerá; o tirano, pela escravidão; o mau filho, pela ingratidão de seus
filhos; o preguiçoso, por um trabalho forçado, etc.”
Portanto, há correspondência
de causa e efeito entre existências vividas pelo ser humano no corpo físico, as
faltas cometidas, o planejamento reencarnatório, a reencarnação, as vicissitudes
da vida material, as expiações e as provas necessárias para depurar o Espírito
em seu processo de progresso moral e transformação espiritual rumo à perfeição.
Evolução do Espírito e sua desmaterialização
Em “O
Evangelho Segundo o Espiritismo” de Allan Kardec, no Capítulo III, em Diferentes
categorias de mundos habitados, no item 3, somos informados:
“Do ensino dado pelos Espíritos, resulta
que muito diferentes umas das outras são as condições dos mundos, quanto ao
grau de adiantamento ou de inferioridade dos seus habitantes. Entre eles há os
em que estes últimos são ainda inferiores aos da Terra, física e moralmente;
outros, da mesma categoria que o nosso; e outros que lhe são mais ou menos
superiores a todos os respeitos. Nos mundos inferiores, a existência é toda
material, reinam soberanas as paixões, sendo quase nula a vida moral. À medida
que esta se desenvolve, diminui a influência da matéria, de tal maneira que,
nos mundos mais adiantados, a vida é, por assim dizer, toda espiritual.”
Assim, em sua
evolução, o Espírito passa por diferentes mundos, desde os inferiores, nos quais
a existência é toda material e quase nula é a vida moral, até os mais elevados,
em que diminui a influência da matéria, tornando a vida toda espiritual.
No livro “A
Gênese”, de Allan Kardec, em Gênese espiritual, no item 26, temos o seguinte
esclarecimento: “À medida que progride
moralmente, o Espírito se desmaterializa, isto é, depura-se, com o subtrair-se
à influência da matéria; sua vida se espiritualiza, suas faculdades e
percepções se ampliam; sua felicidade se torna proporcional ao progresso
realizado. Entretanto, como atua em virtude do seu livre-arbítrio, pode ele,
por negligência ou má vontade, retardar o seu avanço; prolonga,
conseguintemente, a duração de suas encarnações materiais, que, então, se lhe
tornam uma punição, pois que, por falta sua, ele permanece nas categorias
inferiores, obrigado a recomeçar a mesma tarefa. Depende, pois, do Espírito
abreviar, pelo trabalho de depuração executado sobre si mesmo, a extensão do
período das encarnações.”
Portanto, a
reencarnação para o Espírito é oportunidade de recomeço, aprendizado,
crescimento interior, aperfeiçoamento, recomposição, correção, renovação,
regeneração e transformação, para a construção do seu destino e evoluir moral e
espiritualmente.
Para tanto, o
Espírito necessita do retorno ao corpo físico para enfrentar a influência da
matéria e as vicissitudes da vida para depura-se sofrendo a prova de nova
existência, cujas lições e aprendizados, pela lei de causa e efeito, proporcionarão ao Espírito devedor as
condições de refazimento do seu destino, sobretudo se há empenho em melhorar-se
mediante o uso correto do livre-arbítrio.
As
vicissitudes da vida material trazem as provas essenciais para o Espírito acumular
os tesouros sagrados nas experiências vividas, conectando passado, presente e
futuro, na busca da transformação íntima para internalizar atributos divinos de
forma mais sólida pela prática do amor, do bem e da caridade.
Todo esse processo de transformação exige trabalho, esforço e firmeza de
propósitos, porquanto as virtudes são conquistas individuais do Espírito,
alcançadas em sucessivas experiências reencarnatórias.
Bibliografia:
KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto
Bezerra. A Gênese. 2ª Edição.
Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2013.
KARDEC, Allan; tradução de Manuel Quintão. O céu e o inferno. 61ª Edição.
Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2013.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª
Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 1ª Edição.
Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.

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