Enxergar o passado pelo presente
Esta reflexão
veio à mente após ler o livro Indulgência, do Espírito Emmanuel, na
psicografia de Francisco Cândido Xavier, em que alguns textos chamaram a
atenção para a conexão da vida presente com existências anteriores,
evidenciando uma relação de causa e efeito do planejamento reencarnatório com
certas circunstâncias vividas.
Como
espírita, sempre tive a curiosidade de saber algo das vidas pregressas, com a
vontade de indagar uma entidade espiritual sobre elas, diante de um médium
vidente, de psicofonia ou de psicografia, ou receber uma dica por intermédio de
um sonho.
De maneira
geral, essas revelações não são possíveis enquanto no corpo físico,
principalmente em virtude dos benefícios do véu do esquecimento que apaga o
passado existencial de nossa memória, criando oportunidades para corrigir as
faltas cometidas e evoluir moral e espiritualmente.
Haroldo Dutra
Dias, em palestra no YouTube, “O Desejo e o Destino”, comenta acerca do
esquecimento do passado, dizendo que não estamos de posse de toda a nossa
memória. Há aspectos positivos e negativos nisso. Se pudéssemos lembrar de
todos os nossos vínculos de sofrimento e de todas as nossas ações
inconsequentes, talvez não tivéssemos um sorriso tão espontâneo. Mas, Deus nos
quer sorrindo. O Criador concede a benção do esquecimento para recomeçar,
reconstruir, refazer, reconstituir, recompor o destino, sem julgamentos e
condenações. Por outro lado, também não lembramos, com nitidez, as nossas
potencialidades, as quais fluem para o inconsciente como intuições, aptidões ou
talentos. Seria como um processo de memória reduzida.
O fenômeno do
esquecimento de existências anteriores acompanha a reencarnação do Espírito
desde a sua união ao embrião pelo laço fluídico (perispírito) até o seu retorno
ao plano espiritual, quando recupera a lembrança do seu passado.
Com o
nascimento, o Espírito começa a recuperar suas faculdades, desenvolvendo-as à
medida que formam os órgãos. Ao mesmo tempo, o Espírito restabelece a
consciência de si mesmo, porém sem a lembrança do passado, mantendo as
faculdades, qualidades e aptidões adquiridas anteriormente, que estavam em
estado de latência, pois estes o ajudarão a fazer mais e melhor do que antes.
O Espírito
renasce para continuar e melhorar o trabalho interrompido. O renascimento é
novo ponto de partida, mais um degrau a subir, graças à bondade do Criador,
visto que a lembrança do passado, muitas vezes penosa e humilhante, adicionada
aos amargores de uma nova existência, poderia perturbá-lo e criar embaraços.
Pelo
esquecimento do passado, surge um novo ser, por mais antigo que seja o seu
Espírito, adotando novos processos, auxiliado pelas suas aquisições anteriores.
Quando
retornar ao plano espiritual, a lembrança do passado se desdobrará diante de
seus olhos, sabendo se empregou bem ou mal seu tempo. Com isso, não há solução
de continuidade na vida espiritual, pois o Espírito imortal é o mesmo, sendo
apenas mais uma fase de sua existência.
Em O Livro
dos Espíritos, de Allan Kardec, a resposta à questão 264 esclarece que, no
planejamento reencarnatório, o Espírito escolhe as provas de acordo com a
natureza de suas faltas, as que o levem à expiação destas e a progredir mais
depressa. Uns impõem a si mesmos uma vida de misérias e privações, objetivando
suportá-las com coragem; outros preferem experimentar as tentações da riqueza e
do poder, muito mais perigosas, pelos abusos e má aplicação a que podem dar
lugar, pelas paixões inferiores que uma e outros desenvolvem; muitos,
finalmente, se decidem a experimentar suas forças nas lutas que terão de
sustentar em contato com o vício.
Por esse
esclarecimento, verifica-se que as provas e expiações na vida conectam-se com o
planejamento reencarnatório do plano espiritual, sendo consequências das
escolhas realizadas pelo Espírito em face da natureza das faltas cometidas,
pois a superação delas o conduzirá a subir mais um degrau na escala evolutiva.
Assim, pelo
véu do esquecimento, não entendemos o porquê de determinadas circunstâncias,
ocorrências, fatos e adversidades na nossa vida, que refletem o passado
existencial de cada um de nós.
Com essa
compreensão, podemos ter uma leve noção do que somos pelo que fomos em face das
características das provas e expiações da vida presente, despertando para a
tarefa a ser realizada que se apresenta diante de nós.
Por exemplo,
no cap. 12 – Jugo mental, do livro Indulgência, Emmanuel traz uma
mensagem a respeito da relação entre causas da vida passada que predem o ser
humano em jugo mental pela dolorosa verdade despertada no plano espiritual, as
quais solicitam exame e entendimento do Espírito para evitar efeitos ruins no futuro.
O Benfeitor ensina:
“Repara,
enquanto é cedo, o jugo mental a que te prendes.
Gravitando
em torno da sociedade terrestre, encontramos milhões de criaturas
desencarnadas, nos mais dolorosos tipos de escravidão, juguladas pelas teias
comburentes da angústia e da crueldade, no cárcere da ignorância de que fizeram
no mundo a própria razão de ser.
No corpo
físico, engodavam-se na superfície do reconforto.
Na esfera
espiritual, acordam na verdade profunda que lhes solicitava exame e
entendimento.
Sacerdotes,
que se iludiam na superestimação dos próprios valores, despertam retardados e
infelizes, buscando alçar o nível da caridade à sistemática adoração em que se
encravaram, desprevenidos.
Médicos,
que obscureciam a mente com a visão do lucro fácil, a detrimento da saúde dos
semelhantes, reencontram-se em desespero, disputando a felicidade de servir,
para reaprenderem o apostolado da cura.
Juízes,
que ensombraram as próprias ideias no mercado das consciências, ressurgem
dentro de si mesmos, entre remorsos e lágrimas, procurando o caminho de retorno
à verdadeira justiça.
Pais
humanos, que mentiram à própria alma, acalentando nos filhos o devotamento à
facilidade e ao dinheiro, retomam-se na realidade amargosa, regressando ao lar
de que foram espiritualmente alijados, pela ingratidão ou pela censura,
tentando reconduzir os próprios rebentos à bênção do trabalho honesto, em
supremo esforço de redenção da família.
Mulheres
notáveis pela inteligência e pelas virtudes domésticas, que enevoaram os
sentimentos com a deserção da maternidade sublime, choram as oportunidades
perdidas, buscando missões de dor e sacrifício ao pé de criancinhas
desesperadas, através de renúncias dilacerantes.
Se
procuras, assim, o clima da Vida Eterna, ao Sol da Nova Revelação, oferece teus
ombros ao jugo do Cristo, entre as obrigações que a fé te preceitua no caminho
do bem incondicional e constante, porque a existência na Terra é também
empréstimo do Céu com receita e despesa, compromisso e pagamento, e apenas sob
a cruz leve do nosso dever para com Jesus, agora, é que evitaremos a cruz
asfixiante e destruidora que as paixões desgovernadas talharão para nosso
espírito, no tempo atormentado que virá fatalmente depois.”
Percebe-se,
por Emmanuel: somos consequência do que fomos para melhorar, evoluir e realizar
a decisão no plano espiritual para viver uma nova existência. O Espírito
desperta, no mundo espiritual, acerca do que fez no mundo físico, reclamando
nova oportunidade para evitar “a cruz asfixiante e destruidora que as
paixões desgovernadas talharão para nosso espírito, no tempo atormentado que
virá fatalmente depois”.
Se olhar para
a vida atual pode-se ter uma noção das provas e expiações em relação ao
passado, e uma ideia do que realizar para reparar as faltas anteriores.
Nos exemplos
de Emmanuel, sacerdotes, médicos, juízes, pais e mulheres notáveis depararam-se
com a realidade de suas situações evolutivas, buscando lições corretivas em
novas experiências para impulsionar seus progressos moral e espiritual.
No livro Indulgência,
Cap. 4 – Reencarnação, Emmanuel esclarece mais:
“Todavia,
é imperioso reconhecer que todas as nossas falhas são registradas em nós
mesmos, constrangendo a Justiça Eterna a providências de reajuste em nosso
favor, no instituto universal da reencarnação, que dispõe de infinitos recursos
para o trabalho regenerativo. (...)
No
entanto, por isso mesmo também, renascemos sob doloroso regime de sanções,
dilacerados por nós mesmos, nas possibilidades que outrora desfrutávamos e que
passam a sofrer frustrações aflitivas.
Moléstias
do corpo e impedimentos do sangue, mutilações e defeitos, inquietações e
deformidades, fobias complexas e deficiências inúmeras constituem pontos de
corrigenda do nosso passado que hoje nos restauram à frente do futuro.”
Pelo texto de
Emmanuel, verifica-se que as faltas do passado estão registradas em nós mesmos,
reclamando os recursos da justiça divina para regenerar o Espírito. Por isso,
moléstias, impedimentos, mutilações, defeitos, inquietações, deformidades,
fobias, deficiências, entre outras tantas, constituem reparações do passado que
farão restaurar o Espírito em relação ao futuro.
No mesmo
livro, Cap. 5 – Proteção, Emmanuel expressa:
“Entretanto,
atravessada a porta do berço, a alma retoma as tendências antigas que lhe
presidiram no passado a estranha felicidade da sombra e modifica os petitórios,
exigindo reconforto e vantagens terrestres e recusando o remédio que lhe
poderia restituir a saúde espiritual. (...)
Recorda
que a dor, a luta, a enfermidade e o desencanto são instrutores da verdade que
nos salvará, soberana, e por isso, transportando contigo o madeiro de tuas
penas, pede ao Senhor ombros fortes para sustentá-lo, de vez que, qual
aconteceu com o Divino Mestre, é dos braços de tua própria cruz que desferirás
o voo divino à Vitoriosa Imortalidade.”
Na
reencarnação, o Espírito tem a posição definida de regeneração e resgate para
preparar o amanhã, cujos benefícios decorrentes das provas e expiações indicam
a manifestação da justiça e misericórdia divinas, trazendo os mecanismos das
propostas de aprendizado e os impositivos da lei de causa e efeito.
Em cada
retorno ao corpo físico, o Espírito vai se lapidando e adquirindo virtudes
indispensáveis para a sua ascensão, que constituem as virtudes que o Cristo nos
ensinou e exemplificou em sua missão na Terra.
No Cap. 9 -
Fatalidade, Emmanuel ensina: “Não precisamos remontar a existências passadas
para sondar a nossa cultura de desequilíbrio e sofrimento. (...) Lembremo-nos
de que os efeitos se expressarão segundo as causas e alteremos o jogo das
circunstâncias, em nossa luta evolutiva, desenvolvendo, conosco e em tomo de
nós, mais elevada plantação de amor e serviço, devotamento e boa vontade.”
Portanto,
podemos enxergar o passado pelo presente, pois colhemos o que plantamos
livremente, cujos frutos das escolhas retornarão como situações, pessoas ou
coisas, boas ou más, do que realizamos.
As ações,
quer sejam positivas ou negativas, geram consequências que retornam em algum
momento. Essa lei fundamenta a responsabilidade moral nas escolhas e nos
comportamentos, destacando a relação direta entre ações e respostas que
recebemos. Essas ações impactam não só sua vida presente, mas também as vidas
futuras.
Cada ação que
realizamos na vida possui repercussões que influenciam o rumo das vidas
futuras. Quando agimos com amor, compaixão e bondade, atraímos energias
semelhantes para nossas próximas encarnações.
Lembre-se:
somos pelo que fomos para evoluir hoje. Assim, poderemos enxergar o passado
pelo presente.
Autor: Juan Carlos Orozco
Bibliografia:
DIAS,
Haroldo Dutra. O Desejo e o Destino. Disponível no Canal YouTube em: https://www.youtube.com/watch?v=eZrB_rcVQyQ. Publicado por: Taberna do Saber.
Acessado em: 22 de setembro de 2021.
EMMANUEL (Espírito), na psicografia de Francisco
Cândido Xavier. Indulgência. 6ª
Edição. Araras/SP: IDE, 2023.
EMMANUEL (Espírito); (psicografado por)
Francisco Cândido Xavier. Pão Nosso. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação
Espírita Brasileira, 2018.
KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto
Bezerra. A Gênese. 2ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita
Brasileira, 2013.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O
Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita
Brasileira, 2019.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O
Livro dos Espíritos. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira,
2019.
KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto
Bezerra. O que é o Espiritismo. 2ª Edição. Brasília/DF: Federação
Espírita Brasileira, 2017.

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