Os inimigos do homem serão os seus familiares
Essa
passagem evangélica não é de fácil compreensão, porquanto a intepretação
literal desvia-nos do verdadeiro sentido moral e espiritual dos ensinamentos de
Jesus.
Poderíamos
inferir que ela conteria algum erro de tradução, de transcrição ou de entendimento
em relação aos demais textos evangélicos, tendo em vista que o Cristo não
deixou relato e os evangelhos foram escritos tempo depois de sua morte e
ressurreição.
Sem
considerar as hipóteses anteriores, preciso buscar esclarecimentos que se
harmonizem com os ensinos de Jesus, segundo a ótica da Doutrina Espírita.
Importante
destacar que o Espiritismo procura reviver a mensagem cristã em seu sentido moral,
espiritual e atemporal, afastando a interpretação literal e dogmática.
Antes,
porém, para melhor entendimento, cabe ressaltar certos princípios doutrinários
do Espiritismo que auxiliarão as necessárias elucidações.
Os
ensinamentos e exemplos de Jesus nos evangelhos demonstram a imortalidade do Espírito,
que sobrevive à morte do corpo físico rumo à vida eterna. Ou seja, a vida
espiritual continua em outra dimensão.
Os
Espíritos Superiores, que participaram da Codificação Espírita, ensinaram sobre
a vida futura em pluralidade de existências mediante reencarnações sucessivas, cuja
crença é indutora para a maneira como conduzir a vida material, pois as ações praticadas,
boas ou ruins, pela lei de causa e efeito, trazem consequências para o caminho
que se pretende trilhar no processo evolutivo a caminho da perfeição.
Se
assim não fosse, porque o ser humano deveria praticar o bem, amar a Deus sobre
todas as coisas, amar ao próximo como a si mesmo, amar o inimigo, reconciliar-se
com o adversário enquanto está com ele no caminho, orar por quem lhe persegue, odeia,
ofende, ou praticar o perdão incondicional, diante de uma vida que terminaria
com a morte do corpo físico.
Sem
a crença na vida futura, o ser humano focaria todos seus esforços e pensamentos
na vida terrena e na aquisição de bens materiais transitórios, em que aquisições
de virtudes e atributos morais e espirituais ensinadas pelo Mestre Jesus de nada
valeriam.
Se
vivo uma vida inteira de sofrimentos e aflições, quando serei consolado?
Se
errei até o fim da minha vida, quando poderei reparar as minhas faltas?
O
destino seria regido por penas eternas, sem qualquer oportunidade de recomeçar,
regenerar e evoluir? Onde estaria a justiça, a bondade e a misericórdia de
Deus?
Então,
por que cultuar o amor, a fé, a esperança, o perdão e o consolo?
Nesse
contexto, os ensinamentos dos Evangelhos não teriam sentidos de se praticar.
Daí
fundamental crer na imortalidade do Espírito, na reencarnação e no planejamento
reencarnatório, cujos entendimentos dão sentido às passagens evangélicas.
Outro
aspecto doutrinário a considerar é a união familiar por laços biológicos e espirituais.
Os
laços sociais são necessários para o progresso da Humanidade, e o laço de
família, que é lei da Natureza, contribui para esse progresso. Quis Deus que,
por essa forma, os homens aprendessem a amar-se como irmãos.
Os
laços consanguíneos não criam forçosamente união entre Espíritos. O corpo
procede do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito, porquanto todos os
Espíritos são criados por Deus e não há reprodução espiritual. Na reencarnação,
o Espírito já existia antes da formação do corpo.
Por
conseguinte, os pais não criam o Espírito do filho. No entanto, eles fornecem o
invólucro corpóreo, cumprindo-lhes auxiliar no desenvolvimento intelectual e
moral do filho para fazê-lo progredir.
Pela
Doutrina Espírita, os que encarnam numa família, sobretudo como parentes
próximos, são, as mais das vezes, Espíritos simpáticos, ligados por anteriores
relações, que se expressam por uma afeição recíproca na vida terrena.
Espíritos da mesma categoria, do mesmo caráter e dos
mesmos sentimentos formam grupos e famílias, sendo incalculável o número de
Espíritos que os compõem.
Quis Deus que os seres se unissem não só pelos
laços da carne, mas também pelos da alma.
Mas também pode acontecer sejam completamente
estranhos uns aos outros esses Espíritos, afastados entre si por antipatias
igualmente anteriores, que se traduzem na Terra por um mútuo antagonismo, que
aí lhes serve de provação, os quais se reencontram para os ajustes e reajustes
indispensáveis.
Esse tipo de
laços espirituais resulta
de resoluções do planejamento reencarnatório, arrastando débitos que as
circunstâncias constrangem a revisar naquela família, cujos alicerces se
consolidam na esfera terrestre e prolongam-se no plano Espiritual, por
ensinarem que as ligações humanas respeitáveis objetivam redimir almas.
Para
o Espiritismo, os verdadeiros laços de família são os espirituais, que prendem
os Espíritos antes, durante e depois de suas encarnações.
Portanto, na família, os laços espirituais podem ser
formados por Espíritos unidos pela afeição, simpatia e semelhança de
inclinações, felizes por estarem juntos. Dessa afinidade espiritual, uns podem
seguir os outros na encarnação, reunindo-se em uma mesma família para
trabalharem pelo mútuo adiantamento. Por conseguinte, movidos pelo amor, os que
estão mais adiantados auxiliam os retardatários a progredirem, no sentido de
voltar e ajudar os que se atrasaram.
Em outro contexto, os laços espirituais de família
podem ser formados por desafetos, divididos por desavenças anteriores,
servindo-lhes de provação. Isso porque, depois de uma existência, o Espírito
leva consigo as paixões e os ressentimentos de existências passadas.
Contudo, o Espírito aperfeiçoa-se no Espaço até que
deseje receber a luz. Após o tempo de meditação, o Espírito ressentido
aproveita a oportunidade para renascer na família do desafeto para viver nova
chance de progresso.
As vidas não se cruzam ao acaso, pois forças
superiores impelem uns para com outros para cumprir as ações da providência
divina. É assim que se deve compreender a família unida por laços espirituais,
que vai além dos laços biológicos.
Voltando
à interpretação da passagem evangélica, tendo por base o Estudo Aprofundado da Doutrina
Espírita, Ensinos e Parábolas de Jesus – Parte I, “Ensinos diretos de Jesus”, Módulo
II, Roteiro 3, “Não vim trazer paz, mas espada”, da Federação Espírita
Brasileira (FEB), temos uma interpretação doutrinária.
As
pessoas que se desentenderam em outras reencarnações estão hoje, em geral,
congregadas dentro de uma mesma família, buscando o resgate e a harmonização
indispensáveis, diante das leis divinas.
No
âmbito familiar, os inimigos ou adversários agem e reagem uns sobre os outros,
criando obstáculos à união e ao respeito mútuos, ainda que disso não se deem
conta.
Pela
misericórdia divina e pelo véu do esquecimento, os envolvidos nos processos de
reajuste espiritual dificilmente recordam os acontecimentos do passado,
ocorridos em outras existências.
Entretanto,
as antipatias, os ódios, os ciúmes e as desconfianças são impulsivamente manifestadas,
a ponto de ocorrerem separações, perseguições e outros problemas.
Por
outro lado, é comum constatar que muitos parentes desenvolvem convivência
harmoniosa com estranhos ao ninho familiar.
A
pessoa esclarecida sobre as causas dessas inimizades aprende a administrar as
desarmonias com humildade e, aos poucos, percebe que as dificuldades podem ser
reduzidas ou eliminadas. Tal entendimento conduz à ação cristã que, tendo como
base o perdão, a renúncia e a bondade, auxilia na superação de obstáculos e o
polimento de arestas, úteis à manutenção do equilíbrio nas relações familiares.
Nesse contexto, “os inimigos do homem” como
familiares é uma provação e oportunidade de renascer e reencontrar o antigo
desafeto para os ajustes e reajustes indispensáveis, reparando as faltas do
passado e vivendo nova chance de progresso moral e espiritual.
Há
de se considerar, ainda, a presença dos inimigos que trazemos dentro de nós,
representados pelas próprias imperfeições, más tendências e outras deficiências
que conspiram contra a saúde e obstruem a manifestação da felicidade integral.
Esses
inimigos internos, que imperam no psiquismo, são elementos complexos que
precisam ser desativados, perturbam a paz de Espírito, atormentando a
existência.
Assim
sendo, inimigos de outras existências reencontram-se na mesma família pela
reencarnação para reparar faltas e desavenças do passado, que auxiliarão a
estabelecer uma nova base moral e espiritual de laços de família por meio do
arrependimento, do perdão incondicional, da reconciliação e dos princípios de fraternidade,
solidariedade e igualdade.
A
renovação espiritual representa a caridade essencial que devemos ter para
conosco e com todos os familiares, reconciliando e apaziguando-se com os
inimigos que afetam o ninho doméstico.
Autor: Juan Carlos Orozco
Link: O Consolador
Bibliografia:
ABREU, Honório Onofre de (Coordenador). Luz imperecível; Estudo Interpretativo do Evangelho
à Luz da Doutrina Espírita. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita
Brasileira; Belo Horizonte/MG: UEM, 2024.
BÍBLIA
SAGRADA.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª
Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O
Livro dos Espíritos. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira,
2019.
MOURA,
Marta Antunes de Oliveira (organizadora). Estudo aprofundado da doutrina
espírita: Ensinos e parábolas de Jesus – Parte I. Orientações espíritas e
sugestões didático-pedagógicas direcionadas ao estudo do aspecto religioso do
Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2016.

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